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Produzir um trabalho poético a partir de histórias vividas numa paisagem alterada ao longo de anos pode ser uma forma de refletir sobre as implicações e sofrimentos  que uma barragem causa.  Busco, ao resgatar minhas memórias da infância vividas no entorno do Rio Uruguai (atualmente é o lago da barragem de Itá), levantar questões subjetivas sobre identidade e paisagem, suas complexidades e afetividades. Edgar Morin diz que "temos em nós toda a história do universo, mas somos diferentes pela consciência, pela cultura, e é por isso que temos uma dupla identidade. De um lado, fazemos parte da natureza, e, de outro lado, estamos fora dessa natureza”. Como esse dentro e esse fora se conjugam "por causa de um rio"?  Podemos aprender com as histórias dos outros, com as lembranças mais íntimas, com as histórias não contadas?  Podemos enxergar com mais consciência para a natureza, o ambiente, nossa forma de agir e de consumir?

 

 "Por causa da barragem vai melhorar aqui. Vai ter turista vindo, vai ter asfalto, vai ter isso... e aquilo".  Passei a infância ouvindo isso, vendo meus pais e vizinhos percebendo a vida como "algo que vai ficar melhor depois". De certa forma isso faz parte de mim. Tanto a relação com a água como o sentimento de incerteza que rondava meu olhar de criança para a paisagem que mudava e as frustrações e sofrimento da comunidade durantes os muitos anos do processo de deslocamento dos que seriam atingidos.

 

"Lembro que lavei roupa no rio durante a seca com minha mãe, que ficávamos ilhados quando o rio "enchia", que via casas e animais boiando rio abaixo, que a cor do rio mudava. Tenho pesadelos com água turva até hoje, sonho que ela quase invade a casa, lembrança das enchentes. E do som do rio no verão, de brincar nas pedras nas secas, de nadar por horas. De explorar as cavernas do Estreito, embaixo das cachoeiras. Desde 1999 nada dessa paisagem existe mais".

Utilizo recipentes de vidro, terra, pedras e água coletadas no rio, num lugar próximo de onde eu brincava. Brinquedos antigos e miniaturas contextualizam um lugar simbólico da paisagem inconstante e frágil do processo da construção e da força que o curso natural do rio tinha. 

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